domingo, 27 de outubro de 2013

Quanto você Quer, o Universo conspira em seu favor - Parte 4

No início de 2002 nos reunimos no CN 3 semanas antes do início das aulas. A primeira semana era utilizada para que os oficiais passassem instruções aos oficiais-alunos e adaptadores. Nessa ocasião conhecemos o novo Comandante do Corpo de Alunos (COMCA): Capitão de Corveta Luiz Antônio, vulgo Calcinha.

Como comentei no post anterior, a idéia do comando era aumentar a disciplina e logo o COMCA passou a nova voga (rotina): trotes não seriam mais admitido e severamente punidos. Além disso, a chegada dos novos alunos deveria ser tranquila, sem gritaria e confusão, diferente de nossa adaptação.

Nos meus dois primeiro anos os alunos eram divididos em 5 Companhias, cada uma contendo 3 pelotões. Dessa maneira, os 22 oficiais-alunos eram:
  • O Comandante-aluno (01)
  • O Imediato-aluno (02)
  • 5 Comandantes de Companhia (Comcia)
  • 15 Comandantes de pelotão (Compel)

Contudo, além da mudança do COMCA, uma mudança estrutural ocorreu. Foi criada a sexta companhia, talvez para ficarmos mais adequados à forma como era a organização na Escola Naval. Sendo assim, com a nova companhia, surgiram mais 4 vagas para oficial-aluno (OfAl), que passaram a totalizar os 26 primeiro colocados.

Eu havia sido o 22o e por conta disso seria o Comandante do 3 pelotão da quarta Companhia. Isso era excelente para mim: eu tinha feito parte da 4a Companhia no primeiro ano e seu responsável era o Tenente Alexandre, que como já comentei em um post, era boleiro e eu tinha me tornado peixe dele nos dois anos anteriores.

Tudo acertado na primeira semana, partimos para o CIAGA para receber os novos alunos. Foi uma experiência ímpar retornar àquele lugar, dessa vez como caçador e não como caça. Nessa posição, você já procura pelas presas que destoam no grupo de ovelhas. Observamos os adaptandos se despedindo de seus familiares antes do embarque.

No meu ônibus estava o Tenente Reis, o Mario Gomes e eu. O Mário Gomes era mais que uma “mãe”, era uma “avó”, então não pretendia de maneira ser escroto. Mas nem precisava ser. Eu tinha sido criado na Divisa de Santos, era acostumado a zuação maldosa dos amigos, então não perderia a oportunidade de proporcionar aos novos alunos muitas das “agradáveis” experiências que passei durante minha própria adaptação.

E nas boas vindas durante o embarque, repeti o mesmo que tinham feito comigo 2 anos atrás. Com o ônibus ainda no CIAGA, eu disse aos adaptandos: “Vamos lá pessoal, cumprimentem seu familiares, você são motivo de orgulho!”. Quando o ônibus saiu da Organização Militar e virou na Avenida Brasil, a voga logo mudou, falei em tom agressivo: “Ok pessoal, agora vocês podem fechar as janelas. Eu sou o oficial-aluno 3022 Nuccitelli, quem esquecer disso está fudido. A partir de agora você tem direito a falar apenas 3 coisas: Sim Senhor, Não Senhor e Quero ir de baixa”. Logo após essa boa vinda, carteei um e perguntei: “Qual meu número e meu nome?”. Gaguejou e eu logo esculachei: “Você está de sacanagem aluno, não limpou essa merda dessa orelha, eu acabei de falar isso”.

Vendo isso, alguém riu. Todos adaptandos usavam uma roupa padrão: calça jeans e camiseta branca de algodão. Mas não o Biro Biro, aluno que riu. Ele usava uma camisa azul com lista laranja horizontal. Ele tinha o cabelo igual o do antigo jogador do Corinthians e por isso o apelidamos assim. Então sentei ao seu lado e perguntei se estava achando engraçado. O rebarbado respondeu que sim e eu anotei o nome dele. Falei: “Você vai retirar esse sorriso da cara rapidinho”. Ele continuou rindo. Então fiz a promessa: “Ok, você já está convocado para todos pelotões elétricos durante a adaptação”.

Entreguei o livro “Nossa Voga” para o pessoal. Nele existiam informações sobre o CN e também os hinos que eles tinha que aprender. Já durante a viagem, os adaptandos iam cantando o hino do CN (colocar link aqui despois). Eu dando todo o “apoio” necessário para que eles cantassem cada vez mais alto.

Chegando no Naval, meu ônibus foi o último a entrar. Observei que meus amigos tinham “cagado” para a instrução da chegada tranquila ao CN. Não perdi tempo: “Todo mundo fora desse ônibus, quem for o último estará junto com o Biro Biro em todos os pelotões elétricos, só quero o último!”. Foi engraçado ver a turma correndo desesperada, tropeçando em mala, assim como havia ocorrido comigo.

Logo depois que levamos os alunos ao alojamento, o COMCA mandou reunir todo mundo e deu a maior mijada. Mas eu posso te falar que pra todo mundo aquela bronca valeu mais do que a pena.

No alojamento do primeiro ano, ficavam dois terceiro-anistas para manter a ordem. Eu gostava muito da idéia de liderar, por isso tinha estudado par ser OfAl. Assim, me ofereci para ficar como responsável pelo primeiro ano e convenci o Pirula a fazer o mesmo.

Durante as noites, ocorria o famigerado Pelotão Elétrico. Basicamente os adaptadores montavam uma lista com alunos lanceiros (lance é fazer algo errado) e a turma ficava fazendo Ordem Unida (marchar e movimento marciais) enquanto o resto podia descansar. Me lembro de passar em um deles e ver o Biro Biro, que como eu tinha prometido, já estava escalado desde o CIAGA. Perguntei para ele: “E aí Biro Biro, ainda com vontade de rir?” e a resposta foi imediata: “Não senhor”. O sistema fazia todo mundo se enquadrar rapidamente.

A adaptação seguia e a “integração” continuava. Tenho que confessar que eu era filho da puta, mas era engraçado, até mesmo para os alunos que estavam se ferrando. Me lembro de entrar no banheiro do primeiro ano e era aquela correria. Um monte de gente descalça nos chuveiros. Cara, era um banheiro comunitário para 230 alunos. Não pensei duas vezes: “Banheiro sentido!”. Coloquei a porra do banheiro todo em sentido, olhá que merda, um bando de macho no banheiro parado em posição de sentido. Perguntei: “Quem dos senhores urina na porra do box do chuveiro?”. Resposta em uníssono: “Ninguém senhor!”. Então argumentei “Mas eu mijo nessa merda todo dia. Seu porcalhões, quem está descalço, pode ir colocar a gueta (chinelo) agora, antes que peguem uma micose!”. A galera riu e foi colocar o chinelo. Eu seguia sempre essa linha: um filho da puta engraçado.

Lembro de outra vez em que eu estava com o mesmo uniforme do pessoal, o GDP, uniforme de educação física. Assim, era difícil me diferenciar dos boys. Eu tinha mandado todo mundo tomar banho e estava me dirigido a ala das camas. Passa um do meu lado dizendo baixinho para outro “Caguei pro Renzo, vou tomar banho não”. “Aluno sentido! Ta de sacanagem seu sujismundo, essa merda de alojamento já está fedendo e você não quer tomar banho, vai tomar banho agora!!!”. Cara, pra um moleque de 19 anos ter todo esse poder era muito foda.

Mas então uma mudança aconteceu. Por alguma razão, o pessoal tinha errado no cálculo das notas dos alunos. Ao perceber isso, uma nova classificação foi gerada. Eu passei a ser o OfAl 3025. Ou seja, faria parte da primeira Companhia, cujo responsável era o Tenente Anselmo, que não costumava ser muito agradável com os alunos.

Mas o pior não foi isso. Com a mudança, alguns companheiros deixaram de ser oficial-aluno. O pior caso foi o do Daniel Gama. Ele estava morando em Manaus com os pais e retornou só por conta de ser ComPel. Foi uma tremenda lambança que acabou me desmotivando e a alguns companheiros. A única coisa “boa” foi que descontamos a frustração nos primeiro-anistas. Eles já tinham decorado o número de todos ao alunos, e tiveram que redecorar tudo.

Mas a vida continuou. Certa noite eu e o Pirula estávamos batendo um papo e vimos uma sombra se dirigindo ao banheiro. Chegando lá, vimos um aluno e gritamos “Sentido”. Quando vi quem era, falei: “Grande Biro Biro!”. O Pirula sempre foi um cara tranquilo, mas não sei o que deu nele naquela hora. Ele perguntou pro Biro Biro: “Boyzão, você veio aqui dar uma barrigada certo?”. Quando ouvi ele fazendo isso, já logo entendi o que ia acontecer. Sempre ouvimos sobre um trote das antigas chamado “lavagem cerebral”: a turma enfiava a cabeça do aluno na privada e dava descarga. O Pirula prosseguiu: “Pode escolher a porra do banheiro mais sujo nesse banheiro”. Ele escolhei um e eu complementei a maldade: “Então, você vai dar a barrigada nesse banheiro, não vai dar a descarga. Quando acabar, nós vamos enfiar sua cabeça aí e só então daremos a descarga”. Cara, ele estava na posição de sentido nesse momento. Os olhos primeiro brilharam e a quando ele piscou, as lágrimas caíram. Com voz de choro, ele disse: “Senhor, por favor, não faz isso comigo não”. Obviamente que a gente não ia fazer aquilo. Primeiro porque a gente não era tão escroto assim. Segundo porque se alguém descobrisse, era expulsão na certa. O lance era todo era o terror psicológico. Mas então eu respondi: “Biro Biro, eu vou te acochambrar, mas isso vai ter um preço. A partir de hoje você vai se tornar o cara mais na marca (certinho) do seu ano. Eu vou te tirar dos pelotões elétricos, mas se você der algum outro lance, aí você estará fudido”.

Cara, eu olho para trás, lembro disso e penso: cara, que filho da puta de merda eu era. Por isso, gostaria de aproveitar o blog para pedir desculpas publicamente ao Biro Biro. Mesmo sendo eu muito novo, acho que isso não é desculpa para eu ter feito uma covardia dessas. O pior desse sistema de merda foi durante a visitação dos pais. O Biro Biro vem em minha direção, com sua irmã e mãe, me apresenta e diz: “Esse é o oficial-aluno 3025 Nuccitelli, ele que me ensinou a ser homem na Marinha”. Cara, me lembro de rir disso junto com meus amigos. Mas como um sistema pode alienar as pessoas dessa maneira, era para aquele cara me odiar e no entanto, ele achava que eu tinha feito bem para ele. Ele nunca deveria ter pedido para não fazermos aquilo, ele deveria ter nos denunciado na hora. Mas enfim, o sistema todo o faz se conformar, seguir ordem quase sempre sem questionar. De toda forma mais uma vez, peço desculpas pela imbecilidade.. Felizmente, depois disso tudo, até ficamos amigos durante o restante do ano.

Mas então a chegou segunda semana da adaptação. Nesse período era comum alunos do terceiro ano oferecem aos primeiro-anistas itens “marafeiros”, ou seja, itens que permitiam aos alunos "se mostrarem" como militares, principalementa para a mulherada. Como empreendedor, eu me adiantei e fui o primeiro a ofertar aos alunos uma camisa marefeira do bad boy fardado de 5.5 abraçado com uma menina. Ninguém era obrigado a comprar, e deixamos isso bem claro. A galera comprava, como eu comprei no primeiro ano, porque realmente os itens eram legais de se ter. Foi um sucesso.

Mas havia um “pequeno detalhe”: comércio a bordo era proibido. Mas a atividade era padrão e ocorria não só na adaptação. Durante o ano tinha gente que vendia carteira da Marinha, sapato, mala com símbolo da aviação navao e até havia a “indústria do chocolate”, com a qual a gente estimava que o Anatoli, da 98, deveria ter feito muito dinheiro.

Nos últimos dias de adaptação, as coisas ficavam mais tranquilas. Os adaptadores já tinham gastado a energia nos primeiros dias e realmente começávamos a fazer amizade com os alunos. Nesse clima, fazíamos uma brincadeira: uma votação entre os adaptandos para elegerem categorias de adaptadores:
  • Quem foi o mais filho da puta
  • Quem foi o mais mãe
  • Quem era o mais retardado

Eu fiquei em segundo na votação de mais filho da puta, perdi para o Beyler. Mas o clima estava tranquilo e teve gente até me sacaneando: “Ele coloca essa bronca de filho da puta mais parece o menino da bala Juquinha” . Durante essa descontração, eu avisei para turma da qual era responsável o mesmo que o Gomez Muniz tinha alertado 2 anos atrás: “Então gente, tenho uma notícia boa e uma ruim. A boa é que a adaptação está terminando. A ruim é que esse foi o período fácil. Se vocês acharam que fui filho da puta, vocês estão enganados. Você verão que eu sou um cara tranquilo, nem vão perceber minha presença durante o ano. Isso porque aqui na adaptação estão só os alunos gente boa da minha turma. Quando chegar o restante da turma, aí sim será um inferno”. Um aluno perguntou: “Senhor, você está brincando né?” ao que respondi: “Infelizmente não”.

E realmente, quando as aulas começaram eu realmente já tinha ficado parceiro do pessoal e não aplicaria nenhum trote durante todo ano. Isso por algumas razões: já tinha tirado todo o “recalque” na adaptaçao e também porque durante os trotes do início do ano muita gente era pega com a boca na butija e punida com finais de semana a bordo ou até expulsos. Fora isso nas experiências com o novo COMCA já percebemos que agora não haveria a moleza de antes, o bicho realmente ia pegar.

No primeiro dia de aula, mais uma lambança ocorreu. Quando refizeram a classificação, erraram novamente. Então, durante a primeira parada, refizeram a lista. Mais alguns amigos que passaram a adaptação inteira como OfAl deixaram de sê-lo e isso foi muito triste. Eu passei a ser o Oficial-Aluno 3024, me tornando o comandante do 3o pelotão da 6a Companhia. Apesar disso, a vantagem foi que o responsável dessa companhia era o então Tenente Serafim, um dos oficiais mais íntegros e vibrões que conheci no CN.

Enfim, as coisas continuavam muito bem, mas isso iria mudar no segundo semestre. Mas isso fica para o próximo post...

Abs,

 Renzo Nuccitelli

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Microarquitetura Python para a Camada de Negócio: GaeBusiness



Todos os exemplos nesse post são simples de implementar. Não estou interessado na dificuldade da implementação, somente na arquitetura. Todo o código se encontra em https://github.com/renzon/gaebusiness-explanation. Dividi o post em passos e vc pode conferir o código inteiro baixando desse repositório e rodando o comando:
"git checkout n", onde n é o número do passo.

Passo 1

O que eu mais gosto em desenvolvimento de software é pensar na arquitetura, em como organizar seu processo de desenvolvimento e projeto para obter uma boa produtidade de sua equipe, ao mesmo tempo em que produz software com qualidade.

Quando estava desenvolvendo o Pic Pro (Digital do Vale), estudei e implementei o Domain Driven Development (DDD), mas da maneira errada. Eu criava meus módulos baseado em entidades de domínio centrais e dentro desses eu usava um MVC. Até certo ponto do projeto, essa se mostrou uma boa organização.

Mas como sempre, satisfação com arquitetura não dura muito. Eu colocava todo meu negócio nos meus handlers web, o que no DJango  chamam de Views. Isso se tornava um problema, na medida em que a lógica de web se misturava com a lógica de negócio. Com isso, ficava difícil reutilizar regras de negócio.

 Como exemplo, vamos construir um código para salvar um usuário:

def index(_write_tmpl, name=None):
    url = router.to_path(index)
    users = User.query_all().fetch()
    if name:
        user = User(name=name)
        user.put()
        users.insert(0, user)
    values = {'form_url': url, 'users': users}
    _write_tmpl('templates/form.html', values)


Observando a função você pode perceber que da linha 4 à 6 está a lógica de salvamento do usuário,  misturada à de obtenção de valores para renderização do template HTML. Isso se torna um problema quando você quer salvar o usuário de outra forma, por exemplo, com uma chamada AJAX:
def save_user(_resp, name):
    user = User(name=name)
    user.put()
    js = json.dumps(user.to_dict())
    _resp.write(js)

Então você nota que está sendo utilizada e bela técnica de reutilização de código "Ctrl+C Ctrl+V" nas linhas 2 e 3. O problema disso é que você viola o princípio Don't Repeat Yourself (DRY).

Passo 2

O exemplo simples do que pode acontecer em um projeto grande sendo feito com essa metologia de Programação Orientada à Gambiarra (POG) é o seguinte: com a evolução do projeto, surge a necessidade de logar toda vez que o usuário é salvo. Quero manter o exemplo simples, mas um requisito ainda mais crítico seria decrementar o número de licenças disponíveis do sofware.

Utilizando a arte da POG, o desenvolvedor faz uma busca no código e encontra o save_user e, corretamente, implementa a funcionalidade:

def save_user(_resp, name):
    user = User(name=name)
    user.put()
    logging.info("Saving %s" % user)
    js = json.dumps(user.to_dict())
    _resp.write(js)

Aí ele acha que implementou o requisito por completo e manda para produção. Se fosse o caso do número de licenças, a maravilha dessa alteração é que se o usuário fosse salvo pelo formulário HTML em vez do AJAX, a licença não seria contabilizada. Parece brincadeira isso, mas já vi projeto que salvava usuário de umas 3 maneiras diferentes, cada qual com suas regras próprias.

Passo 3


 Comecei a estudar sobre como resolver o problema, e gostei muito de um keynote do Uncle Bob em um envento Ruby:  Arquitetura: os Anos Perdidos. Apesar de ser uma crítica ao Rails, a carapuça serviu em mim direitinho.

 Inspirado pela idéia, passei e implementar uma fachada para minha camada de negócios. Dessa maneira, eu respeitaria o DRY, evitando o problema de duplicação de código. Eu sei que uma fachada deve ser apenas uma interface que delega suas funções a pacotes internos, mas por brevidade, violei o padrão nesse exemplo:
#Fachada
def save_user(name):
    user = User(name=name)
    user.put()
    logging.info("Saving %s" % user)
    return user  
#Ajax
def save_user(_resp, name):
    user = facade.save_user(name)
    js = json.dumps(user.to_dict())
    _resp.write(js)

#HTML
def index(_write_tmpl, name=None):
    url = router.to_path(index)
    users = User.query_all().fetch()
    if name:
        user = facade.save_user(name)
        users.insert(0, user)
    values = {'form_url': url, 'users': users}
    _write_tmpl('templates/form.html', values)

Dessa maneira, separo lógica do meu negócio totalmente da apresentação. Não importa se a saída vai ser HTML, XML, JSON ou qualquer outro. Aliás, não precisa nem ser uma aplicação web para que você possa reutilizar suas regras de negócio. Seria possível fazer uso das mesmas regras para implementar um Desktop.

Passo 4

Seguindo nessa linha, suponha um novo requisito onde se quisesse salvar em banco um log com hora, log esse percente a um outro módulo qualquer. E isso somente quando o usuário fosse salvo através do html. Para isso, seguiriamos o mesmo caminho, fazendo uma fachada para meu novo módulo e orquestrando as funções no meu handler:

#Fachada de Log
def save_user_log(name):
    log = SaveUserLog(user=name)
    log.put()
    return log
#HTLM
def index(_write_tmpl, name=None):
    url = router.to_path(index)
    users = User.query_all().fetch()
    if name:
        user = facade.save_user(name)
        log_facade.save_user_log(name)
        users.insert(0, user)
    values = {'form_url': url, 'users': users}
    _write_tmpl('templates/form.html', values)

Passo 5


Porém, como já mencionei, satisfação com arquitetura não dura muito. O que acontece nessa abordagem, e com o princípio DRY em geral, é o problema da perfomance. Uma das característica interessantes do Google App Engine é que ele possui várias APIS assíncronas e métodos para otimizar acesso ao banco de dados. Entre eles, salvar entidades de uma só vez no banco é mais eficiente do que salvar uma a uma. Tendo isso em mente, esse esquema simples de fachada é bem reutilizável, mas a performance fica degradada, uma vez que não se tem como salvar todas entidades ao mesmo tempo.

O que eu gostaria era de continuar com essa fachada, mas também queria poder orquestrar chamadas assíncronas, de forma que elas pudessem ocorrer em paralelo, otimizando o tempo de resposta para minhas requisições. Além disso, eu gostaria de poder deixar, quando possível, para salvar minhas entidades todas de uma vez.

 Para chegar nesse objetivo, eu criei o GaeBusiness, disponivel  via comando "pip install gaebusiness". Nesse framework eu fiz uso intensivo do padrão Template:

class Command(object):
    def __init__(self, **kwargs):
        self.errors = {}
        self.result = None
        for k, v in kwargs.iteritems():
            setattr(self, k, v)

    def __add__(self, other):
        return CommandList([self, other])

    def add_error(self, key, msg):
        self.errors[key] = msg

    def set_up(self):
        '''
        Must set_up data for business.
        It should fetch data asyncrounously if needed
        '''
        pass

    def do_business(self, stop_on_error=True):
        '''
        Must do the main business of use case
        '''
        raise NotImplementedError()

    def commit(self):
        '''
        Must return a Model, or a list of it to be commited on DB
        '''
        return []

    def execute(self, stop_on_error=True):
        self.set_up()
        self.do_business(stop_on_error)
        ndb.put_multi(to_model_list(self.commit()))
        return self

O construtor da classe Command recebe os parâmetros a serem processados. O método set_up faz as chamadas assíncronas. O método do_business executa a regra de negócio e, por fim, o método commit retorna entidades que devem ser salvas no banco de dados ao fim do processo. Já o método execute orquestra toda a operação.

Além dessa classe, também foi criada a classe CommadList, que é uma lista de comandos que implementa o padrão Composite . Assim, é possível tratar um lista de comandos do mesmo jeito que um comando único. Repare também que em Command eu sobrecarreguei o operador de adição para que se possa somar comandos, cujo resultado é um CommandList. Dessa maneira, usando essa arquitetura, temos o projeto refatorado:
#Comando para salvar usuário
class SaveUserCmd(Command):
    def __init__(self, name):
        Command.__init__(self, name=name)

    def do_business(self, stop_on_error=True):
        self.result = User(name=self.name)

    def commit(self):
        return self.result
#Fachada do usuario
def save_user(name):
    return SaveUserCmd(name)
#Comando para salvar log
lass SaveUserLogCmd(Command):
    def __init__(self, name):
        Command.__init__(self, name=name)

    def do_business(self, stop_on_error=True):
        if not self.name:
            self.add_error('name', 'Name is required')
        else:
            self.result = SaveUserLog(user=self.name)

    def commit(self):
        return self.result
#Fachada do Log
def save_user_log(name):
    return SaveUserLogCmd(name)
#handler ajax refatorado
def save_user(_resp, name):
    user = facade.save_user(name).execute().result
    js = json.dumps(user.to_dict())
    _resp.write(js)

#handler html refatorado
def index(_write_tmpl, name=None):
    url = router.to_path(index)
    users = User.query_all().fetch()
    if name:
        # usando sobrecarga da adicao
        cmds = log_facade.save_user_log(name) + facade.save_user(name) 
        # Tratando CommandList da mesma for que um Command
        user = cmds.execute().result 
        if not cmds.errors:
            users.insert(0, user)
    values = {'form_url': url, 'users': users}
    _write_tmpl('templates/form.html', values)

Dessa maneira, eu tenho uma solução Orientada a Objetos para poder fazer polimorfismo com os comandos, definindo as estapas a serem executadas e, principalmente, podendo compor comandos mais complexos a partir de comandos mais simples. É isso que eu queria dizer com o slide sobre módulos da minha apresentação sobre Entrega Contínua, onde faço o paralelo com peças de lego.

 Consegui, pela primeira vez, construir um módulo bacana, usando essa estrutura, com o cliente do Passwordless: https://github.com/renzon/pswdclient. Publiquei como um pacote python e só usei a fachada como interface na hora de integrar, como você pode comprovar na linha 276 desse arquivo.

Cabe ressaltar que Command e CommandList não possuem qualquer dependência externa, é apenas código Python puro. Por isso, seria possível reutilizá-lo em qualquer projeto, independente do framework que se use, como DJango ou Flask.

Enfim, o que percebi depois disso tudo é que o código ficou mais reutilizável, mas programar ficou um pouco mais burocrático. Seria bom saber também a sua opinião, já que você teve paciência de ler esse post todo: o que você acha? Deixe seus comentários =D



 Abs,
 Renzo Nuccitelli

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Quando você Quer, o Universo conspira em seu favor - Parte 3

No início de 2001 começaria o segundo ano de Colégio Naval, o melhor dos 3 anos. Isso porque, como segundo anista, você não leva trote da turma de cima e não pode dar na turma de baixo. Sendo assim, os estudo passa a ser a única preocupação. De resto, é um tempo para se integrar mais com os companheiros de turma e aproveitar o lado bom do Colégio.


Uma transformação interessante nesse ano é que você começa a achar engraçadas as situações difíceis pelas quais passou no ano anterior. Inclusive já começa a fazer planos sobre o que fará quando chegar ao terceiro ano. No início das aulas você fica apenas observando o movimento, rindo do processo de “integração” dos novos alunos com seus veteranos.


Além das divisões oficiais por anos, existia uma divisão informal entre os alunos em 3 grandes categorias: cariocas, aratacas e paulistas.


Os cariocas são os residentes no Rio de Janeiro e que todo fim de semana retornam às suas casas. Deviam compor 90% do total de estudantes. Os alunos do terceiro ano contratavam os chamados “especiais”, ônibus fretados para fazer a viagem RJ - Angra. Esse também era um grande teste para os alunos do primeiro ano, pois as brincadeiras no percurso eram constantes: “capacitômetro” (colocar o máximo de alunos dentro do banheiro do ônibus), “corrida de verme” ( colocar dois boys, um em cada coluna de poltronas, jogá-los por cima das poltronas e ver quem chegava primeiro nas primeiras poltronas) e alguns outros trotes. Mas de toda forma, quem conhece um carioca sabe que o RJ é sua terra sagrada e como a distância é pequena, poder retornar era um privilégio.


No extremo oposto estavam os aratacas, cerca de 5% dos alunos. A esse grupo pertenciam os oriundos de estados longíquos: Ceará, Pará, Brasilia, Rio Grande do Sul, entre outros. Esses normalmente só retornavam para casa durante o período de férias. Ás vezes iam pra casa de amigos no RJ, mas muitas vezes aquartelavam no fim de semana. Os aratacas faziam parte do grêmio de residentes, tendo um espaço próprio de convivência com TV a cabo e, principalmente, um telefone que utilizavam para ligar para a família e namoradas. Não parece muito ter um telefone hoje em dia, mas em 2001 os celulares ainda não eram tão comuns. No Naval existiam somente 3 orelhões para 600 alunos, então ter um telefone exclusivo era um luxo.


Por fim, existia o grupo dos Paulistas, compondo os 5% restantes e cujos integrantes eram chamados pelos cariocas de “bizarros”. Gente que morava na Capital ou em cidades próximas, como Santos, no meu caso, e São José dos Campos. Nessa turma tinha gente que voltava todo fim de semana para casa e outros que aquartelavam de vez em quando. O grande bizu desse grupo foi que a partir de 2000, ano em que ingressei no colégio, passaram a pagar vale transporte. E nos anos de 2000 e 2001, pagavam independente de vc ir para casa ou não. Isso significava que quando você aquartelasse, economizaria uma boa grana. No meu caso, acho que ganhávamos um soldo de R$ 200,00 e meu vale transporte era de R$ 380,00. Ou seja, quase o dobro do meu salário.


Durante o primeiro ano, conversamos com o Gomez Muniz, então presidente do Grêmio de residentes, para saber se os paulistas que moravam em cidades mais distantes poderiam fazer parte do Grêmio. Ele aceitou a proposta. Então, além de fazer parte do grupo dos Paulistas, passei a fazer parte do grupo dos aratacas.


No fim de 2000 também passei a frequentar a casa da minha tia, na Tijuca, bairro da cidade do RJ. Eu dizia que conseguia aproveitar a parte boa dos 3 grupos: ganhava vale transporte de Paulista, frequentava o Grêmio de residentes como arataca e as vezes ia pro RJ como carioca.


Me dedicava bastante aos estudos, perseguindo o objetivo de ser oficial aluno. Fiz grande amizades nessa época, em particular com Silvio da Silva Rocha, vulgo Pirulito ou só “Pirula” para os mais chegados. Ele era meu “comesa” no segundo ano, o que queria dizer que ele compartilhava a mesa de estudos comigo em sala de aula.


Enfim, a vida estava uma maravilha: salário razoável para alguém que a família não tinha muitas condições, várias amizades, bom estudo e muita curtição. Era meu paraiso!


No início do ano minha equipe, de futebol, acabou tendo uma mudança de técnico. O Fofão, figuraça que treinava a equipe de natação em 2000, passou a treinar a gente. De início ele impôs uma política linha dura, principalmente com relação às brincadeiras com os calouros, o que ele não permitia para poder escolher melhor os novos integrantes da equipe. Mas com o tempo as coisas se acertaram e passamos e formar uma verdadeira equipe. Me lembro do nosso lateral esquerdo, Xavier. Vivia cheirando Sorine e todo mundo pegava no pé dele, dizendo que ele só jogava “cheirado”. Quando fazia besteira o Fofão já gritava “Xavier, paga 10!”. Era muito engraçado.


O Fofão fez a equipe tocar mais a bola. Além disso, como ele era da cidade, marcava amistosos com os times locais. Toda semana tinha um time que nos visitava para jogarmos no campo do CN. Não era o meu sonho de ser jogador, mas aquilo me fazia muito feliz.


Algumas vezes ele também conseguiu amistosos com o time amador de Angra dos Reis e no estádio da cidade. Era uma experiência bacana, mas sempre levávamos uma sacolada deles. A diferença de idade e técnica era muito grande. Mas de toda forma aquiilo nos preparava para jogos duros.


Em um desses amistoso eu fui protagonista de um caso caso engraçadíssimo. Naquela época existia um seriado da MTV, se não me engano, que se chamava “Homem Cueca”. Colocamos nosso uniforme branco e nosso preparador físico, gente boníssima, Sargento Baptista começou nosso aquecimento de sua maneira peculiar: colocava um funk da época e fazíamos algumas pseudo coreografias. Isso animava bastante o pessoal.

 Naquele dia havia alguns torcedores para ver o jogo, provavelmente familiares dos jogadores do outro time. Depois de uns 20 minutos, comecei a escutar a torcida gritando: “vai homem cueca”. Reparei que era para mim. O jogo foi parado e o Sgto Baptista, rindo, falou que eu tinha suado e o short estava transparente! O detalhe é que eu estava sem cueca...kkkk. Eu tinha mania de jogar sem cueca sempre, mas a partir daquele dia acabei com esse costume. Isso foi motivo de piada durante muite tempo….hehe


Mas por conta disso, desse novo ritmo de treinamentos, ao enfrentarmos o CMRJ, o jogo foi diferente do sofrível, mas memorável para mim, jogo de 2000. Eles estavam cheios de marra, a equipe de futebol cantava em todas as outras modalidades que iriam dar uma surra no futebol. Em uma das canções eles falavam que nem treinar precisavam, que só iam tomar Skol. No amistoso, abri o placar logo no início do primeiro tempo. Trocamos passes, driblei um zagueiro e enfiei um canudo no canto esquerdo. A goleada terminou em 4x0. Logo depois do jogo, cantamos uma parodia para do grito da equipe adversária, em ritmo de funk:


 - Eu não boto marra, jogo meu futebol
 - Só depois eu tomo Skol!!!

Um outro evento marcante foi a NAE (Naval - Aeronáutica - Exército). Essa era uma competição entre as escolas de ensino médio das 3 forças: Colégio Naval, Escola Preparatória de Cadetes do Ar (EPCAR) e Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx). A cada ano uma escola abrigava o evento e em 2001 era a vez do Naval. Próximo à competição, alunos de equipes tinham até refeição diferenciada. Com nosso novo treinamento, estávamos mais bem preparados e ganhamos o jogo contra o Exército, garantindo vaga na final.


No jogo contra a Aeronáutica, valendo o título, entramos voando. Recebi um lançamento e ia ficar cara-a-cara com o goleiro, aos 35 do primeiro tempo. Mas quando invadi a área com a bola dominada, pisei em um buraco e torci o tornozelo. Foi um dor muito grande. Mesmo assim a vontade era grande e continuei em campo até os 20 do segundo tempo. Mas eu estava sem condições de jogo e Fofão me sacou, colocando o Lamim jogar na zaga e também o Epilef. Acho que depois de uns 5 minutos que eles entraram, o Lamim recebeu uma bola no meio, na esquerda, e carregou quase até área. De lá mandou um petardo no canto direito do goleiro, indefensável. Conseguimos segurar o jogo e fomos campeões da NAE, depois de uns 10 anos que a equipe de futebol não ganhava. Depois do apito final, corrermos até o pier que ficava em frente ao CN e pularmos na água de roupa e tudo.


Fui para o RJ muito feliz mas a dor no tornozelo piorou e fui para o hospital. A torção foi séria e fiquei com gesso por um mês. Mesmo depois que tirei o gesso ainda demorei uns 6 meses para voltar a chutar com segurança. Nesse período também engordei, e toda vez que fazia besteira em campo o Fofão gritava: “Renzo, sua porca prenha”...kkk.


Além de estudar bastante e jogar bola, durante o ano passei a organizar uma excursão para Porto Seguro, idéia que tinha surgido após viajar com amigos para lá no fim do ano. Como comentei em post anterior, minha mãe trabalhava na cidade e conseguiu organizar a estadia e alimentação. Apenas o que fiz foi ligar os pontos e fretar um ônibus. No fim do ano, viajamos e passei a fazer “bico” de guia. Como a grana era curta, isso não poderia ter vindo em melhor hora: passei a entrar de graça nas baladas de Porto e até beber sem pagar na Passarela da Álcool. Enfim, o espírito empreendedor já existia em mim =D.


Quando retornei da viagem, fiquei sabendo da minha classifcação para o terceiro ano: vigésimo segundo colocado. Ou seja, tinha conseguido, mesmo que sendo o último da lista, me tornar um oficial aluno! Enfim, tudo ocorria bem e eu me sentia predestinado e merecedor de tudo de bom que estava ocorrendo


Contudo, apesar de toda essa alegria, nesses dois anos todos diziam que o Naval estava meio zoneado. Muito trote estava ocorrendo  e as punições não eram rigosas. Eu era um aluno exemplar, praticamente nunca tomei uma parte, nome que se dava ao documento de notificação de infrações. As poucas que tomei foram aliviadas. Se você leu os post anteriores, sabe que eu tinha virado peixe do Capitão Alexandre e do COMCA Cardoso Gomes. Mas o período de ser peixe acabaria no terceiro ano: O Capitão Alexandre deixou o Naval no início de 2002, acho que pra fazer fazer curso de Estado Maior. Além disso, o COMCA mudou também. Seria o então Capitão de Corveta Luiz Antônio, também conhecido na boca miuda como Calcinha por conta de seus trejeitos femininos, apesar de não ser homossexual (pelo menos acho que não). Inclusive descobri que ele era assim conhecido também entre os oficiais, há pouco tempo.


De fato o comando não estava satisfeito com situação e o novo COMCA tinha uma fama de ser linha dura, para não dizer um palavrão que começa com a letra f. Apesar de toda essa mudança política, eu tinha na cabeça que eu era “o cara”. Tinha conquistado tudo o que desejava até então. Tudo era uma questão de esforço e competência e o mundo era para mim um lugar justo que me premiava por minha obstinação e esforço. Mas foi nesse terceiro ano, em 2002, que eu descobriria que a arrogância, aliada ao ímpeto e ingenuidade de um jovem de 20 anos, é uma mistura que só pode acabar mal.


Esse seria o período mais difícil de minha vida e que eu considero ser o momento em que deixei de ser um menino para virar homem. Mas o restante da história ficará para o próximo post. Por enquanto, ficamos com algumas fotos do período no fim do post.


Abraços,
Renzo Nuccitelli



Equipe campeã da NAE em 2001
Em cima, da esquerda para direita: Fofão, Feres, Frambach, Rodrigo Almeida (Peri), Xavier, Guede de Castro, Lamim, Malcher, Martino, Pirulito, Thiago Barros (TB) e Capitão Alexandre.
Em baixo, da esquerda para direita: Marcelo , Felipe Soares (Epilef), Sousa, Sobreira, Melo, Tadeu, Gabriel Moraes (Carudinho), Eu e Sargento Baptista

Axe Moi na excursão de 2001 para 2002. Da esq. para dir: Veras, Pizzo, Butterfly (namorada do Pizzo...rs), Pimenta, Leandro Goulart e Eu

Almoço da dona Amanda, da esq, para dir: Eu, Spranger, Alan Viana e Rodrigo Gama à frente.


Retorno de Porto, Da frente para trás: Rodrigo Baptista, Roberto Alves, Rodrigo Pimenta, Eu e o Curió

Eu, Baçal no meio e o Jardel



Da esq, para direita: Solange, Amanda, Pirulito e eu no meu aniversário de 19 anos
Eu e minha mãe em Maringá
Eu e minha tia Solange na visitação dos Pais durante o período de Adaptação em 2001





segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Quando você Quer, o Universo conspira em seu favor - Parte 2

escrever... Olá pessoal,

Primeiramente eu queria agradecer as mensagens que recebi depois que escrevi o post anterior. Em particular, recebi várias dos amigos de tempo de Colégio Naval (CN): Serafim, Vinícius, Élcio, Sobreira, Dihego Antônio, Renato Barros e Leonardo Gomes (desculpem se esqueci alguém). Não esperava que fosse ter essa repercussão, mas fiquei motivado para escrever. Mais do que isso, me fizeram alterar o rumo que pretendia abordar, falando do período do CN com mais detalhes. Digo isso porque acho que por muito tempo bloqueei as lembranças daquele período, mesmo as felizes. Enfim, vamos à continuação.

No ano de 2000, após a batalha para passar no concurso, embarquei em uma viagem que marcou minha vida para sempre: entrar no Colégio Naval (CN). A Marinha organizou a viagem de todos não residentes no Rio de Janeiro, concentrando todos na Escola Naval (EN), instituição de ensino superior que forma oficiais de carreira. Foi um dia muito feliz. Começamos novas amizades, jogamos bola e tomamos banho de piscina.

Meu amigo Carlos da Rocha, com o qual estudei por certo tempo no curso do Major Romão, havia me alertado que o período de adaptação do CN era muito difícil. Tinha me passado alguns bizus, alguns hinos que deveríamos aprender para a adaptação, mas acabei não seguindo seus conselhos e simplesmente aproveitei a estrutura da EN para me divertir.

No dia seguinte nos encaminhamos ao CIAGA onde, junto aos demais adaptandos residentes no Rio de Janeiro, embarcaríamos rumo à Enseada Batista das Neves. Entramos nos ônibus, todos felizes, se despedindo de suas famílias. Na saída, quando viramos na Avenida Brasil, ouvimos o dizer que eu repetiria quando chegasse ao terceiro ano: “Acabou a brincadeira pessoal, a partir de agora é sim senhor, não senhor e quero ir de baixa”. Essas eram as boas vindas para o início do período de adaptação do CN.

No caminho formos aprendendo o hino do Colégio. Ao chegarmos, desembarcamos correndo, tropeçando uns nos outros, atirando bagagens para cima e para baixo em meio aos gritos dos adaptadores, que eram alunos do terceiro ano. Pela primeira vez entramos em forma. Parecíamos um bando de ovelhas sendo conduzidos por cães raivosos.

Durante os 15 dias que se seguiram, recebemos instruções de Ordem Unida, fardamento, aprendemos hinos importantes. Além disso, aprendemos a famosa Hierarquia e Disciplina, pilares das 3 forças armadas. Porém, havia toda a pressão psicológica dos veteranos e os famosos e temidos trotes. Os piores deles eram oficiais.

 Era interessante notar como o corpo humano é frágil: ficar 40 minutos parado é algo extremamente doloroso. Em posição de descansar, com as mãoes espalmadas, com os 10 dedos encostados nas costas e quando alguém fraquejava, sempre tinha o veterano amigo para relembrar, gritando, que a mão deveria ficar espalmada. Grito esse sempre acompanhado com um bom tapa pra reforçar a importância da postura. Impressionante como ficar em posição de cobrir, com o braço estirado na posição horizontal, acarretava em uma dor enorme depois de apenas 5 minutos. Enfim, uma grande aula que você acabava tendo na batalha com seu próprio corpo para que ele fizesse o que era esperado.

Mas como sempre falaram, éramos voluntários ali, podíamos desistir a qualquer momento. E assim alguns amigos, provalvemente os mais sãos de nós, desistiram. Me lembro em uma das paradas quando o irmão do Mario Gomes desmaiou ao meu lado e foi levado à enfermaria, indo de baixa logo em seguida. Me lembro de, devido ao cansaço, eu respirar rápido para ver se faltava oxigênio no cérebro e eu desmaiava também, para poder descansar um pouco. Infelizmente ou não, não funcionou...rs

Mas aquele era meu sonho. Mais do que isso, era minha passagem para uma vida melhor e eu estava disposto a pagar o preço. Em nenhum momento pensei em desistir. E em meio a esses momentos difíceis, ia nascendo um grande espírito de corpo, de equipe. Um fato que me lembro muito bem foi quando eu estava de noite, todo moído, e calcularam mal a ceia, de forma que fiquei sem comer. Estava com uma fome desgraçada e lembro do Fábio Nogueira, que eu não conhecia, me dar um pacote de passatempo para matar a fome. Sei que parece um gesto simples, mas lembro que quase ninguém tinha conseguido passar com alimentos até o alojamento.

Após duas semanas de muito sofrimento, chegamos ao fim da adaptação. Finalmente estávamos vestidos com nosso uniforme branco, 5.5, orgulhosos de termos sobrevevivido, prontos para a cerimônia em que deixariámos de ser adaptandos para nos tornarmos alunos. Eu sempre fui um cara durão, meio insensível até. Mas quando estava em forma e vi minha mãe em meio aos demais familiares presentes, simplesmente não aguentei. Comecei a chorar em forma, seguido de alguns outros amigos, como o Feijó.

Apesar de ser um período difícil, lembro de um discurso dos veteranos Gomez Muniz e Shalon ao fim da adaptação: “Pessoal, estamos chegando ao fim da adaptação e eu tenho uma notícia não muito agradável. Esse período de adaptação foi a parte fácil. Na equipe de adaptores estão as pessoas mais responsáveis do terceiro ano. Quando o ano começar, chegará todo o resto babando pra interagir com vocẽs. E aí vcs terão saudades do período de adaptação”.

Pensei: “Está querendo só colocar medo na gente”. Mas realmente estava falando a verdade. Quando chegou todo o terceiro ano, a coisa ficou tensa. Era gente obrigada a enfiar laranja inteira na boca sem descascar, queimando a boca inteira. Primeiro-anista obrigado a jogar suco na comida, misturar e comer. Gente obrigada a tomar um litro de água até quase vomitar. Gente obrigada o ouvir veterano babaca gritando na sua cara, fazendo você pagar infinitas flexões, vestir todas suas fardas, uma por cima da outra, e ser obrigado o correr pelo alojamento. Enfim, todo o tipo de brincadeira sadia que se possa imaginar.

Era engraçado quando íamos subir as escadas dos alojamentos. Era necessário passar pelo primeiro andar, onde ficava a tolda cheia de veteramos. Nos reuníamos em bando, como cardumes de peixes, para nos proteger. Sempre alguém era carteado para alguma sessão de gritaria ou trote físico, sendo sacrificado para que os demais chegassem ilesos ao alojamento do primeiro ano.

Apesar de tudo isso, eu sempre consegui que não me marcassem. Eu sempre me negava a fazer coisas como xingar um veterano a mando de outro, o que chamavam de “piranhar”. Lembro que quando sentei na mesa do Farol e me recusei a piranhar, ele ficou muito, muito puto. Começou a gritar que nem um maluco e me fez beber a jacuba inteira de água. Mas a teimosia é uma característica marcante minha. Eu bebi tudo e não piranhei...rs. Acho que por conta disso os veteranos não gostavam muito de me dar trote, eu não devia ser "brinquedo" muito engraçado...rs.

Enfim os primeiros meses passaram e as coisas se acalmaram, até porque a turma tinha que focar no estudo, que era muito puxado. Inclusive era possível fazer amizade com alguns veteranos. Até mesmo com o Farol eu consegui conversar numa boa, mas isso já mais pro fim do ano.

Acabei entrando para a equipe de futebol e isso foi muito bom. Ajudou a fazer grandes amizades e funcionava como lazer e válvula de escape. A rotina diária era massacrante. A alvorada ocorria às 6 da manhã. Eu acordava 5:40 porque gostava de tomar banho e me arrumar com tranquilidade. 6:30 era o café e 7:30 começavam as aulas. Meio dia iniciava o almoço. 13 horas terminava o almoço e 13:30 começava a parada escolar. Às vezes a parada demorava uma hora, naquele sol, e então terminava com desfile dos alunos. Às 14:35 começava o período de treinamento. Em geral, deixávamos o campo de futebol às 17 horas, algumas vezes mais tarde. 18 horas iniciava a janta e terminava às 19. 19:30 iníciava o período de estudo obrigatório, quando tínhamos que ficar em sala de aula até 21 horas. Iniciava então a ceia e ás 21:30 éramos liberados. Ás 22 ocorria o toque de silêncio e aí podíamos descansar. Mas, na prática, arrumávamos as coisas para o dia seguinte, engraxando sapato, passando farda ou estudando. Mas também jogávamos muito papo fora nesse período, afinal, ninguém é de ferro.

Durante todo esse primeiro ano eu fui um aluno muito aplicado. No Naval vc era classificado pela sua nota e mais um conceito, que era atribuido pelos oficiais. Eu almejava me tornar um oficial aluno. Assim eram chamados os 22 primeiros colocados do terceiro ano, que eram responsáveis por comandar as companhias e pelotões. Eles também faziam parte do período de adaptação.

A fórmula para o ensino de excelência era muito simples e a mesma que eu encontraria no ITA 4 anos mais tarde: processo seletivo acirrado, selecionando excelentes alunos. Provas muito difíceis, mesmo que a qualidade da aula de alguns professores fosse sofrível. Regras rígidas de aproveitamento escolar: média 7; se ficasse de recuperação em mais de duas matérias, repetia; só podia repetir uma vez por nota e outra por saúde. A terceira repetências acarretava em expulsão.

Apesar de tudo, muitas coisas boas também aconteciam. Foram várias amizades e oportunidades únicas. Eu lembro claramente de 4 delas. A primeira foi uma viagem que fiz na fragata Rademaker, com duração de 2 dias indo até o porto de Santos. Ver a minha cidade de alto mar, na proa de uma fragata, foi uma sensação incrível. Minha única preocupação foi que fiquei mareado na viagem e isso seria um problema no futuro, se eu tivesse seguido como oficial.

O segundo grande acontecimento que lembro foi o baile da integração. Se tem uma coisa que compensava todo o sofrimento, era aquele baile. Juntávamos dinheiro de todos os alunos e fazíamos festa no clube Charitas em Niterói. Íamos fardados, de 5.5, e só entravam mulheres. Nós alugavamos ônibus para levarem e trazerem as meninas da festa. Era uma alegria, 5 mulheres para cada homem! E estando fardado, até quem não era bom de papo conseguia se safar. Apesar que lembro de gente “cocando” (não pegar ninguém), mas prefiro não comentar para não causar constrangimentos.

O terceiro evento bacana foi desfilar no aniversário de Monteiro Lobato. Viagem toda paga e desfile na cidade pequena. Fomos a atração. Quem diria que alguns anos depois minha mãe abriria uma loja de móveis na cidade (www.antigonovo.com.br). Esse mundo é muito pequeno. Me lembro de sairmos pra uma festa e eu ter comido um milho muito esquisito junto com o Canthé. Comentei com ele “Isso aqui vai dar um revertério danado amanhã”. Não deu outra. Acordei com a barriga doendo um pouco, mas mesmo assim fui desfilar. Após o desfile, passeamos pela cidade e depois embarcarmos no ônibus para retoranar para casa. Aproveitei a carona, desci em São José dos Campos e peguei condução para Santos.

A dor na minha barriga piorou e quando cheguei em casa fui direto dormir. De manhã acordo com uma dor pior ainda. Ligo pro CN pra saber se tinha hospital em Santos. Me dirigi ao Hospital Ana Costa. Ao chegar, me encaminharam logo para cirurgia de apêndice. Ele havia supurado (acho que é esse o termo) e tiveram que fazer um corte maior que o de costume para fazer assepcia interna. Queriam evitar uma infecção. Ainda bem que estava na Marinha. Se fosse em um hospital público, talvez eu não estivesse escrevendo esse relato hoje.

 Uma semana depois voltei ao CN. Eu fiquei na enfermaria e ia pra aula de abrigo olímpico, não precisa vausar farda. Pelo menos alguma coisa a apendicite trouxe de bom...rs

 Depois de apenas 20 dias, voltei aos treinos de futebol. Eu estava de olho no jogo que teríamos no RJ, contra o Colégio Militar (CMRJ). O fato é que eu era muito sem noção e simplesmente voltei a treinar sem falar com os médicos. Não sabia que alguém tinha que me liberar para os exercícios, afinal, eu me sentia bem. Foi então que 3 dias antes da viagem o treinador falou que eu não poderia ir na competição porque eu nem tinha sido liberado na efermaria. Mas eu já tinha feito certa amizade com a turma da saúde, bati um papo com o Doutor Oscar Passos e ele me liberou.

Embarcamos então para o o CMRJ e iniciamos o jogo no domingo. Foi uma partida dura e o tempo regular terminou em 0 a 0. Inciado o primeiro tempo de prorrogação, ganhamos um escanteio. Lembro do Ricardo, então do segundo ano, me falando “Renzo, vai pra área”. Eu respondi “Cara, sou pequeno e não vou conseguir fazer nada lá. Vou ficar aqui de fora da área pra ver se sobre rebote”. Cobraram o escanteio, a zaga desviou para a linha de fundo. De novo o Ricardo falou: “Vai pra área”. Mas fiquei onde estava. Cobraram o escanteio, a zaga desviou novamente. Mas dessa vez, foi justamente na minha direção. A bola quicou uma vez, mandei um pombo sem asa, de trivela, bem no ângulo esquerdo do goleiro. Me lembro de sair correndo pro meio para comemorar, pensando em segurar o resultado obtido durante o restante da prorrogação. Foi então que eu vi todo mundo invandindo o campo, inclusive o Oscar Passos e demais oficiais. Pensei: “Caramba, chutaram o balde pra postura militar, o jogo nem acabou estão invandindo o campo? Isso vai dar merda”. Mas foi aí que descobri que estava valendo gol de ouro na prorrogação. Depois disso virei peixe do oficialato. O comandante do Corpo De Alunos, Capitão de Fragata Cardoso Gomes se não me engano, e também o da minha companhia, Capitão-Tenente Alexandre, eram boleiros. O Universo não poderia ter me ajudado mais que isso...rs

Recebemos as medalhas e aconteceu uma das coisas mais bizarras. Um senhor me chamou, falou que era agente de futebol, que tinha filmado o jogo e tinha contatos no Flamengo e PSG. Fiquei sem saber o que falar. Se fosse hoje em dia, eu teria largado o CN na hora pra tentar viver um sonho desse. Mas o Renzo daquela época já tinha desistido do sonho de jogar bola pra viver outro: era um militar vibrão, um aluno exemplar que já definira seu futuro: seria Oficial da Marinha do Brasil. Por conta disso, não cheguei nem a entrar em contato com aquele senhor novamente. Mas de fato, aquilo serviu para meu ego subir até o espaço =D.

 O ano terminou, fomos para as merecidas férias de fim de ano. Como minha mãe estava em Porto Seguro e havia alguns amigos querendo viajar, pedi que ela conseguisse um casa para mim e para meus amigos alugarmos. Até onde lembro, viajamos eu, Orrico, Rafael Leão, Spranger e um amigo deles da Epcar, o Bruno. Mal sabia eu que esse negócio de viagem para Porto Seguro acabaria virando um pequeno negócio no futuro. Sabia ainda menos que alguns anos depois a tia do Bruno seria minha advogada em um processo contra a Marinha.

 Mas a viagem foi muito boa e no meio dela fiquei sabendo minha classificação para o segundo ano: 26º  colocado. Assim, eu seria o aluno 2026, onde o primeiro digíto indica o ano, e os 3 seguintes a classificação. Estava bem próximo do meu objetivo de estar entre os 22  primeiro e ser um oficial aluno. E assim se daria o início do meu segundo ano de CN, em 2001.

 Enfim, esse post já está maior que o anterior e vou encerrá-lo por aqui. Foi interessante parar para refletir sobre o Colégio Naval e resgatar lembranças nas quais eu não pensava há muito tempo. Para encerrar, fica uma foto do projeto de jogador tirada pelo de Vito, no campo do Colégio, com a enseada Batista das Neves ao fundo:



Abraços e até o próximo post.

PS: Depois que escrevi o Canthé adicionou algumas fotos do fds em Monteiro:





quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Quando você Quer, o Universo conspira em seu favor - Parte 1

Fala Galera,

 Mais uma vez eu começo um post dizendo que há muito tempo não escrevo. Realmente esse blog está largado às traças. Mas isso vai mudar a partir de hoje.

 A primeira mudança é que alterei o perfil do blog: "Tecnologia na Prática e Outras Viagens". Isso porque agora ele será pessoal e quero usá-lo para escrever não só sobre tecnologia, que é uma das minhas paixões, como também sobre outras viagens, como empreendedorismo, lifestyle company ou até mesmo  alguma idéia maluca que passe pela cabeça. Escrever é bom para organizar os pensamentos e vou fazer isso pelo menos uma vez por semana.

 Começando com essa filosofia, gostaria de expor uma pseudo teoria que sempre ouvi falar mas que constatei há dois meses, ao fazer uma retrospectiva da minha vida. É o título desse post "Quando você Quer, o Universo conspira em seu favor". Sempre tive vontade de escrever sobre isso e agora vou fazê-lo. Acho que ainda sou novo para servir de exemplo para qualquer pessoa, mas as vezes minha história pode servir como um empurrãozinho para quem está correndo atrás de seus sonhos. Na pior das hipóteses, faço do post meu divã =D

 Primeiramente queria explicar a razão do "Quer" estar escrito em maiúsculo. Sempre gostei muito de futebol e, como muitos brasileiros, sonhava em ser jogador. Jogava bola todo dia na escola e na praia de Santos, onde morava. Fiz escolinha e queria participar das peneiras da categoria de base. Contudo, nunca fui em uma seletiva, por medo de não passar. Sabia que havia candidatos muito melhores que eu. Essa atitude é o que eu chamo de "querer" com "q" minúsculo. É o querer que se sonha, mas que não se arrisca, não dá a cara a tapa, seja por medo, timidez ou qualquer outra razão desculpa que você quiser inventar para se convencer de que não atingiu seus objetivos e a culpa não foi sua.

Ainda nessa época eu morava em um bairro de Santos chamado Divisa, por ficar na fronteira entre essa cidade e São Vicente. Minha turma de bairro era humilde, tinha gente que morava no morro e não tinha muitas condições financeiras. Um caminho comum eram as drogas e/ou tráfico e muitos enverederam por ele. A maioria, infelizmente, não está mais entre nós hoje para confirmar essa história.

Por conta desse ambiente, por volta de 95 ou 96,  minha mãe comentou comigo sobre o Colégio Naval, um dos melhores colégios de segundo grau do Brasil, que prepara jovens para serem Oficiais da Marinha Brasileira. Além do ensino de excelência, ele paga para você estudar! Eu ainda não tinha desistido de jogar futebol, mas como comentei, eu não "Queria" de verdade. Sendo sempre o primeiro de todos as turmas dos fracos colégios públicos em que estudei, isso me dava a ilusão de que eu era bom em estudar e achei uma boa ter o Naval como plano B.

Foi então que prestei o concurso em 97. Aquela foi a primeira vez na vida que eu olhei uma prova de matemática e não sabia fazer nenhuma das 20 questões. Me recordo de chegar em casa e dizer: "Mãe, se essa prova estivesse escrita em grego, não faria a menor diferença para mim". O que acontece é que a prova de matemática do Colégio Naval é mais difícil do Brasil, em nível fundamental. Fiquei com uma mistura de sentimentos, indo da raiva até o descredito em mim mesmo. Afinal de contas, eu era o "picão" de todas as turmas que tinha passado, sem fazer grande esforço.

 Os sentimentos logo passaram e deram lugar a vontade de enfrentar o desafio de passar no concurso. Virou questão de honra. Em 98 passei a trabalhar de office boy e estudar por conta própria. Peguei a ementa e comecei pela matemática. Chegada a data do concurso, pimba, acertei 2 das 20 questões. Já sai da prova sabendo que tinha levado bomba. Na saída peguei 2 panfletos sobre cursos preparatórios.

No fim do mesmo ano fui ao Rio de Janeiro na casa de minha tia Solange para conhecer os cursos preparatórios da cidade. Todos aprovavam muito e, consequentemente, cobravam uma mensalidade significativa. A intenção da minha mãe era vender a loja de roupa de bebê que ela tinha para arcar com os custos. Para não perder viagem, prestei concurso para o Colégio Pedro II. Poderia estudar em um bom colégio e fazer o curso de tarde. Pelo menos dessa vez eu passei no concurso.

Mas como todo mundo sabe, sorte de pobre dura pouco...rs. A loja não ia bem das pernas e acabou falindo em agosto daquele ano. Peguei um dos panfletos que tinha recebido após o concurso: curso Major Romão. Entrei em contato. Na época custava R$100, acho que equivaleria hoje a uns R$ 400. Estava então formalizado o plano: minha mãe daria a loja falida com seu estoque para meu padrasto, que eu considerava meu pai e ,em troca, pagaria meu curso e  moraria com ele. Uma amiga tinha convidado minha mãe para cozinhar em um restaurante em Porto Seguro e assim ela seguiu viagem.

 Iniciado 99, passei a estudar no curso do Major Romão. Segunda a sexta, das 19 às 22:30. Tive que correr atrás do tempo perdido no ensino público e me alfabetizar de verdade em apenas um ano. Me lembro dos amigos dizendo que eu tinha sumido. Mas... o fato é que meu pai era enrolado (me perdôe, pai, por dizer isso após você ter falecido mas, esteja onde estiver, você sabe que é verdade...rs). Devia Deus e o mundo e, como já tinha acontecido em outras situações, pagou somente o primeiro mês de curso.

 No terceiro mês eu estava constrangido com a situação da inadimplência e fui conversar com o Major Romão. Falei que conhecia meu pai, sabia que ele ia enrolar e não ia pagar. E pela primeira vez eu conheci o primeiro teorema da conspiração do Universo: "Quando vc Quer e não tem condições, alguém, geralmente alguém não muito próximo, vai te ajudar". Até hoje me emociono quando lembro o que ele disse, com o jeito militar sério dele: "Renzo, assista às aulas, não saia do curso. Depois a gente dá um jeito nisso". O Romão era um cara de muito caráter e honestidade. Tinha o sonho de construir um curso na baixada santista e passar a mulecada nos colégios militares. "Sorte" a minha. Depois de minha mãe, acho que ele é a pessoa com a qual eu tenho umas das maiores dívidas de gratidão da minha vida. Aliás, pensando bem, tem tanta gente que me estendeu a mão nessa caminhada que não dá nem pra dizer quem foi mais importante.

 Para resumir essa primeira parte da história, eu passei no concurso do Colégio Naval em 1999. Acertei 17 das 20 questões da temida prova de matemática, me classificando em 54º lugar em meio a 15 mil candidatos. Lá percebi que não era o gênio que o ensino público santista me fazia pensar que era e passei um período muito feliz da minha vida, fazendo grandes amigos e estudando. Para não deixar totalmente o sonho futebolístico de lado, fui titular durante os 3 anos da equipe do Colégio Naval. Fiz um golaço na prorrogação por morte súbita contra o Colégio Militar do Rio de Janeiro em 2000, de trivela, de fora da área, no ângulo. Fui campeão da NAE, competição de ensino médio entre as 3 forças militares em 2001 =D

 Pela primeira vez na vida "Quis" com "Q" maiúsculo e o universo conspirou em meu favor.

 Essa história é grande e esse post já está imenso. Então aguardem os próximos capítulos...